terça-feira, 13 de março de 2012

A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA DO DIREITO



Moisés da Silva Gomes[1]







1. INTRODUÇÃO


Ao se tencionar examinar o conhecimento jurídico pela via filosófica é indispensável, em primeiro lugar, que esta estrada seja afeita ao pesquisador, ajustando-se aos limites de sua experiência. Sem o prévio conhecimento da Filosofia geral, por seus métodos e funções, é impossível atingir a plena compreensão da Filosofia do Direito, pois, ao passo que aquela é gênero, esta é espécie. A cultura filosófica somente progride no espírito acostumado à reflexão e aberto aos grandes temas que abrangem a natureza e o homem. Se é verdade que a condição de jusfilósofo não é obtida por grau universitário, senão pela constância do pensamento dialético, também é certo que apenas alcança essa condição o jurisconsulto que cultiva, como hábito, a atitude filosófica.
O cabedal de conhecimentos que a Filosofia do Direito propicia procede de três categorias de pensadores: filósofos, juristas e jusfilósofos. Como a Filosofia é uma perspectiva universal da realidade e o Direito se alista no quadro de uma ontologia regional, um sistema filosófico, para ser abarcante, deve-se considerar temas jurídicos basilares, como os problemas da justiça e da lei.
Dessa forma, renomados filósofos, como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Hegel, contribuíram valiosamente à Filosofia do Direito. Por outro lado, os jurisconsultos nem sempre se prendem à perspectiva da Ciência do Direito, transpondo o mero trabalho de interpretação e sistematização do Direito que está em vigor. Ora põem em discussão os postulados da Jurisprudência, ora sujeitam os institutos jurídicos a uma análise em seus fundamentos, situando a sua preocupação na esfera da Filosofia do Direito. O grande fundamento, porém, que fortalece e enriquece essa disciplina, encontra-se na atividade dos jusfilósofos, daqueles que, autenticamente filósofos, conhecem a ciência jurídica.
Enquanto filósofos e juristas desenvolvem a reflexão jurídica em campo limitado, os jusfilósofos, agregando o conhecimento das correntes filosóficas ao conhecimento das categorias lógicas do Direito, operam nos domínios da jusfilosofia sem restrições culturais, tendo como objetivo o rigor lógico dos conceitos jurídicos e o ajuste do Direito Positivo aos valores humanos fundamentais.





2. CONCEPÇÃO HODIERNA DE FILOSOFIA


Hodiernamente a Filosofia se caracteriza como método de reflexão pelo qual o indivíduo se empenha em interpretar a universalidade das coisas. Não reclama a compreensão geral de todas as coisas: algo inacessível, na atualidade, devido ao “estouro” de conhecimentos que acontece no campo científico.
Quando se afirma que a Filosofia constitui o conhecimento das coisas por sua perspectiva universal, se almeja expressar, na verdade, que, ao fazer a reflexão sobre cada objeto ou fato, o filósofo deve munir-se antecipadamente de todos os conhecimentos relativos ao assunto a ser discutido.
Caracteriza-se a Filosofia como indagação ou procura incessante do conhecimento, por intervenção da investigação dos primeiros princípios ou últimas causas. O espírito filósofo não se contenta com a leitura dinâmica dos fatos ou com meras observações. Esse espírito contesta sempre e, a cada resposta conseguida, passa a novas indagações, até chegar à essência das coisas.
Em verdade, a Filosofia corresponde a uma atividade natural, instintiva, pela qual o indivíduo busca compreender a realidade como um todo e assimilar o profundo significado dos objetos. O seu único incentivo é o amor à sabedoria. Como disse Reale (1999, p. 5), a filosofia espelha esse “amor pela verdade que se quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo-se em mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe”. Assim, a reflexão se faz de forma desprendida, numa disseminação natural do espírito e, consequentemente, é pensamento independente e autêntico.
Contudo, a Filosofia não é mero exercício mental ou fantasia. Como exemplo de exegese, ela se projeta na realidade concreta, exercendo influência sobre as ciências, o comportamento dos indivíduos, os caminhos da Humanidade. Ela influencia as ciências, analisando e criticando seus postulados básicos e delimitando seu campo de pesquisa. Cada ciência encontra-se comprometida com uma determinada gama de conhecimentos e o seu conjunto não proporciona uma noção universal, mas visões incompletas, divididas em setores. Cabe à Filosofia, então, fomentar o nexo entre todas as perspectivas e ser a “tradutora” da realidade. A sua função não é somente a de decifrar o mundo objetivo, já que também desenvolve a crítica do comportamento humano e do saber acumulado.
Ao levar em consideração a universalidade dos objetos e revelar o sentido da vida, a Filosofia mostra ao indivíduo os seus valores fundamentais e norteia os caminhos da Humanidade. 






3. NOÇÃO E OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO


Ao estabelecer modelos de comportamento social, à luz dos valores de conservação e desenvolvimento do homem, o Direito possibilita a convivência e participa, por sua importância e como área definida do saber, na ordem geral das coisas. Como objeto do conhecimento, não pode ser considerado fragmento da realidade e desenvolvido isoladamente.
Assim, a compreensão do Direito necessita ser alcançada na perspectiva universal dos fatos e fenômenos. Como é sabido, o seu conhecimento científico atende às exigências operacionais de criação, interpretação e aplicação, entretanto não se mostra suficiente para resguardar a plena correlação entre os conteúdos normativos e a idéia do “ius”. Assevera Miguel Reale (1999) que:


O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o direito fenômeno universal que é ele suscetível de indagação filosófica. A filosofia não pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta é a razão pela qual se faz filosofia da vida, filosofia do direito, filosofia da história ou filosofia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se evidenciando os títulos existenciais de uma filosofia jurídica.


Existe, pois, uma função significativa a ser desempenhada pela Filosofia na esfera jurídica. Como fruto da experiência, o Direito pode seguir diferentes ideologias e assumir variados modelos. As formações jurídicas não são indiferentes às correntes de pensamento: presumem sempre uma escolha ideológica, uma exegese objetiva da realidade. Tal é a importância da Filosofia do Direito para esse campo do pensamento, que não se consegue chegar ao Direito genuíno sem a reflexão filosófica. É que o fenômeno jurídico, por influenciar a vida humana, deve ser estudado paralelamente à análise do homem.
De acordo com Rêgo:

A Filosofia do Direito parte de premissas ou dogmas pré-estabelecidos para indagações, transcendendo o conhecimento positivo através de uma análise crítico-reflexiva, que proporciona ao homem um conhecimento holístico e integrativo de sua própria realidade, quer sob o ponto de vista da elaboração e vigência legislativa, quer sob o aspecto hermenêutico, quando da interpretação e aplicação das normas legais. Esta análise jusfilosófica, englobante e existencialista do ser pensante, observa e valoriza o processo de formação do jurista ou ator do direito, estimulando-o e conscientizando-o a uma atitude crítico-filosófica, a desenvolver atividades e habilidades que exijam reflexão, poder de valoração, avaliação e julgamento de sua própria realidade.

A polêmica é própria e imanente à Filosofia e em nada se poderá estranhar com a pluralidade de opiniões sobre um mesmo objeto. Esta característica do pensamento filosófico não proíbe, no entanto, ao longo do tempo, que novos princípios e teorias sejam consagrados mundialmente. Em um processo longo de assentamento, formam-se também correntes diversas, interpretadoras da realidade jurídica. Pela sua racionalidade e força lógica de expressão, notáveis jusfilósofos apressam a marcha de evolução do pensamento, estabelecendo novos caminhos dialéticos.
Como objeto cultural provido de complexidade, o Direito comporta diferentes planos de estudo. Do ponto de vista legal, é abordado pela Ciência do Direito, disciplina fundamental que interpreta e sistematiza o ordenamento vigente, sem preocupar-se com o problema axiológico. Sob o aspecto fatual, é examinado pela Sociologia do Direito, que considera as relações entre o fenômeno jurídico e a sociedade, com atenção básica para o ajuste do Direito à realidade social. Não analisa as categorias lógicas, nem cogita do dever-ser e de valores. Do ponto de vista evolutivo, o fenômeno jurídico é objeto da História do Direito, que pesquisa a etiologia e o desenvolvimento das instituições, com o estudo concomitante dos fatos históricos. Caso a atitude filosófica se projete nos domínios da Jurisprudência, tomando o fenômeno jurídico por objeto de indagação, a análise se processa em um plano muito fecundo, onde se discutem problemas de grande importância para a organização social. O estudo ontológico do Direito, a pesquisa de seus elementos universais e necessários, o exame axiológico de suas formas de expressão constitui a matéria de reflexão da Filosofia Jurídica.
Como estudo reflexivo, que almeja a compreensão do Direito dentro de uma visão harmoniosa da realidade, a Filosofia Jurídica dispõe de um amplo conjunto de temas de análise que se divide em dois grandes planos de reflexão: um de natureza epistemológica, em que se pesquisa o conceito do Direito e assuntos afins, e outro de caráter axiológico, no qual se sujeitam as instituições jurídicas a um exame crítico valorativo. Sendo assim, o primeiro encargo atribuído à Filosofia Jurídica é a de elucidar, em seus aspectos universais e necessários, a noção do Direito.
Percebe-se, assim, a profunda relação existente entre a Filosofia geral e a Filosofia do Direito, pois as grandes correntes filosóficas possuem vigor e se disseminam por numerosos ramos do saber.
Conforme o paralelo kantiano, enquanto a Filosofia do Direito responde a pergunta “O que é o Direito?”, à Ciência Jurídica cabe esclarecer a pergunta “O que é de Direito?”. De fato, o encargo de definir o Direito não se acha destinado somente às disciplinas jurídicas particulares, já que estas analisam só uma fração da realidade jurídica e estabelecem as orientações de legalidade. A Ciência Penal, por exemplo, lista as suas fontes de conhecimento, porém não está apta a informar sobre as fontes do Direito em geral. Como a Filosofia do Direito contempla a “árvore jurídica” em sua totalidade e na sua relação com as coisas em geral, a ela está destinada a função de dizer o que é o Direito e procurar as respostas para os problemas ligados a essa indagação.
Consoante ao que diz Rêgo:


A Filosofia do Direito se ocupa em examinar os sistemas lógicos que foram elaborados no curso do pensamento especulativo por filósofos e juristas, enquanto o Direito visa o estudo sistemático normativo verificável no processo de convivência humana. As interrogações centrais da filosofia jurídica giram em torno da conceituação do Direito; interessa-se sobremodo pela reflexão a respeito da normatividade, conceito de certa complexidade, pois envolve outras determinações indispensáveis à capacitação de seu sentido. Norma implica certa hierarquia de valores que permitem apreensão dos fatos sociais, em uma análise que envolve inevitavelmente para o terreno especulativo, extrapolando da pura análise científica para o campo da reflexão filosófica, pois a plenitude de uma visão do processo jurídico só é alcançada pela filosofia do direito.


Paralelamente ao problema conceitual, nessa ordem de pesquisas afloram questões fundamentais, como a referente aos elementos constitutivos do Direito; a pergunta se este compõe-se de norma e é a expressão da vontade do Estado; se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta é Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é fundamental à validade do Direito etc.
Outra tarefa da Filosofia do Direito é de alcance mais prático e consiste na análise valorativa das leis, institutos ou do sistema jurídico. A investigação pode achar-se no plano da “lei como ela existe”, com a crítica ao Direito vigente, ou no plano de “o que a lei deveria ser”, em um ensaio do Direito ideal a ser criado. Durante esta investigação o pensamento jusfilósofico é norteado por princípios éticos e, essencialmente, pelo valor justiça, por intermédio dos quais avalia o ordenamento, para justificá-lo ou negar-lhe validade. Esta segunda parte está vinculada aos imperativos da vida social e objetiva o enriquecimento da Ciência do Direito, pois aprecia os critérios da lei em função dos valores humanos e sociais. Quando se avalia a eutanásia, por exemplo, sob o prisma do Código Penal, o estudo é de Ciência Jurídica, mas quando a atividade intelectual excede esse plano, a fim de julgar o critério legal com base nos postulados éticos, a tarefa desenvolve-se no âmbito e com os métodos da Filosofia do Direito.




REFERÊNCIAS


ALVES, Alaôr Caffe et al. O que é Filosofia do Direito? São Paulo: Manole, 2004.

BITTAR, Eduardo, C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo. Atlas. 2010.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1999.


RÊGO, Nelson Moraes. A importância da filosofia do direito na formação do jurista na pós-modernidade, uma visão epistemológica. Disponível em: www.nelsonrego.com.br/pdf/artigos/ARTIGO1.pdf. Acesso em: 08 de março de 2012.


[1] Graduando em Direito pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

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