sábado, 17 de março de 2012

Filosofia como base metódica para o direito: O instrumento do instrumento.



Emily Monique Bezerra Puigseck[i]

Resumo: Este trabalho apresentará de modo conciso como o direito, enquanto ferramenta reguladora das relações sociais, na pós modernidade, necessita da filosofia para se fazer direito.
Palavras-chave: direito, pós-modernidade, filosofia

Abstract: This paper seeks to show concisely how the Law, while regulatory tool of social relationship in post-modernity, needs of philosophy to make itself justice.
Keywords: Law, post-modernity, philosophy


 Traduzida na dicotomia direito natural – direito positivo, a oposição entre o estado de natureza e a sociedade organizada partiu da antiguidade, atravessou a idade média, a idade moderna e alcançou a pós-modernidade, quando o direito é revelado como o instrumento necessário para resolver as controvérsias da vida em sociedade.
Ao longo da história, o Estado assumiu a função reguladora e mediadora das tensões sociais se valendo do direito natural e positivo de um modo particular a cada período. Na antiguidade, idade média, modernidade e pós modernidade a relação entre direito natural e direito positivo assumia às características históricas da época. Este trabalho irá mostrar de que modo o Direito, instrumento, tomou a filosofia do direito (instrumento) para se apresentar de forma coerente na superação das tensões próprias da convivência em sociedade. Nessa medida, na pós modernidade, deixou de vigorar a lei do mais forte (fisicamente) para vigorar a lei do mais inteligente (o argumento mais coerente).
Antiguidade
Segundo Aristóteles as ações estabelecidas em lei são aquelas às quais sua execução não pode ser desviadas do manual positivado. No capítulo 7 do livro V de Ética a Nicômaco explicita:
“Da justiça política, uma parte é natural e outra parte é legal: natural, aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo; legal, a que de início é indiferente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecida (...)”  [1]
Significa dizer que o direito apresenta duas faces, a saber: Direito Natural e Direito Positivo. O direito natural tem igual eficácia em todo lugar, é imutável no tempo e no espaço, enquanto o positivo limita-se à comunidade onde é posto, contudo, uma vez regulada a ação esta deve ser desempenhada conforme prescrito em lei. Acrescenta o autor:
“(...) o homem comum não obedece por natureza o sentimento de pudor, mas unicamente ao medo, e não se abstém de praticar más ações porque elas são vis, mas pelo temor ao castigo”.  [2]
Logo, a ação positivada estabelece uma sanção para impedir os desvios de conduta, Aristóteles considera que a lei não é pesada porque o Estado ordena ao homem o que é bom.
Idade Média
Durante a Idade Média, o Estado, vinculado à Igreja por meio de seu soberano (representante de Deus na Terra), encerra em si o poder de legislar, julgar e aplicar todas as normas. Nesse sentido, o direito natural prevalece sobre a norma positivada. Destarte, todas as relações sociais seriam então reguladas pela moral, igreja e um Estado que posteriormente buscou a autonomia em relação ao poder religioso.
Destaca-se que aqui o direito natural era associado à vontade de Deus, autor da natureza, e por isso, dado como superior ao direito positivo, conhecido mediante ‘declaração de vontade do legislador’.  [3]
Essa concepção foi contestada ao final daquele período quando desencadeou-se uma nova corrente filosófica, o iluminismo, que na busca pela completa liberdade do Estado em confronto ao poder clerical, atribuiu ao direito positivo uma completude (os juspositivistas). 
Essa relação extremada dos positivistas ao fim conviveu com a noção tímida de direito natural enquanto fonte do direito positivo, não de modo que uma visão seguia a outra como em uma cronologia, mas uma sociedade plural que abordava, como ainda hoje é abordado, o Direito sob as mais diversas dimensões até que fosse superado o conceito medieval por aquele da modernidade.
Modernidade
Hobbes [3] disse que o legislador é limitado porque o ser humano não pode prever todas as circunstâncias e foi nesse sentido que o direito natural pontualmente passou a ser visto como fonte do direito positivo.
Aparentemente em confronto àquela tese, em 1934 Hans Kelsen publica a obra Teoria Pura do Direito, onde o autor trata da validade do direito e busca estudá-lo de forma isolada da sociologia e da ideologia. É apresentada a ideia de que o papel do jurista é se ocupar daquilo que é válido, pois as normas são válidas ainda que injustas, explicitando que o Direito não deve ter justificação moral e que além da validade, a norma deve ser eficaz para que se diga, enfim, da existência do direito.
Norberto Bobbio explica, na obra Direito e Poder, que segundo a Teoria kelsenina, o Direito enquanto ciência deve abster-se de valores e que caberia à Filosofia a justificação do sistema de valores, conforme:
“O erro capital da Teoria Pura do Direito, segundo eles, estaria no fato que, impondo ao jurista comportar-se como um frio intérprete da norma positiva, qualquer que seja o valor ético da norma, transforma-o num colaborador de qualquer regime, por abjeto e repugnante que seja (...)” [4]
Ora, destaca-se ser inegável a incompletude da norma em si, diz Ihering:
“Quando um indivíduo é lesado em seu direito, faz-se irremissivelmente esta consideração, nascida da questão que em sua consciência se apresenta, e que pode resolver como bem lhe aprouver: — se deve resistir ao adversário ou se deve ceder. Qualquer que seja a solução, deverá fazer sempre um sacrifício; — ou sacrificará o direito à paz ou a paz ao direito. A questão assim apresentada parece limitar-se a saber qual dos dois sacrifícios é o menos oneroso” . [5]
Insta que, embora Kelsen apresente como objetos do direito puro a validade e a eficácia, a norma só terá eficácia e efetividade se analisada no contexto ao qual está inserida, se aplicada ao caso concreto. Momento em que o Direito se faz direito e não mera letra de lei. Momento em que a hermenêutica é revelada como o instrumento fundamental do direito na pós-modernidade.

Pós Modernidade e Hermenêutica
Ora, se o direito é linguagem e comunicação, como superar as tensões sociais sem a filosofia?
Falar em direito sem abordar sua dimensão filosófica é como ler as palavras sem buscar sentido ou significado nas mesmas, é como se apresentar como mero analfabeto funcional diante da lei.
Todo cidadão é capaz de ler traduzir o sentido da lei, mas apenas o conhecedor da dimensão filosófica do direito, habilitado a defender seu posicionamento através de um discurso coerente, conhecedor da doutrina, das relações sociais, das teorias do Estado e das relações de poder são capazes de dar seguimento ao direito como instrumento de pacificação social, ou melhor de resolução de conflitos, ainda que de forma não pacífica.
Müller esclarece:
“A dificuldade da concretização se deve antes ao fato da língua não ser inocente e da fala ter uma forma da ação. A língua sempre apresenta marcas prévias da violência social e dos seus vestígios, a língua do direito está endurecida, calcificada adicionalmente pelo poder-violência (Gewalt) do Estado e deformada pela pressão e pelos conflitos dos grupos envolvidos. Não há como escapar ao combate semântico, muito menos na concretização” [6]
Significa dizer que concretizar o direito é usar a hermenêutica para convencer o juiz sobre qual parte terá o seu pedido atendido. Esse embate argumentativo transcende às partes e alcança o juiz na medida em que este deve justificar a sua sentença.  Conforme aponta o Código de Processo Civil Brasileiro:
Art. 131.  O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.” [7]
O direito é, portanto o dispositivo catalisador na busca de soluções para os conflitos do meio. Soluções estas, que apesar de não serem sempre pacíficas buscam extinguir os conflitos que ao Direito se submetem.  Habermas explica que:
“(...) los participantes individuales en la argumentación que siguen manteniendo su orientación al entendimento, por um lado permanecen ligados em uma práctica ejercida em común; por outro, bajo la suave coácción del mejor argumento, deben tomar posición respecto a las pretenciones de validez fundadas desde el juicio próprio y autônomo”. [9]
Ora, resta provado que o Direito e linguagem são pares, Habermas explica isso de maneira sóbria quando apresentou a teoria do agir comunicativo como aquela a qual o argumento segue mantendo sua orientação ao convencimento de modo a haver a suave coação pelo melhor argumento.
Resta provada ainda, a instrumentalidade da filosofia do direito em confronto com a norma. Destarte, na pós-modernidade, não é possível falar de direito e justiça sem abordar os aspectos de valoração que a linguagem empresta a tais conceitos, ou mesmo, sem abordar a própria linguagem como instrumento do direito, porque direito é linguagem.

Obras Citadas


[1]
Aristóteles, “Livro V,” em Ética a Nicômaco. Coleção Os Pensadores., J. A. M. Pessanha, Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1979, p. 131.
[2]
Aristóteles, “Livro X,” em Ética a Nicômaco. Coleção os Pensadores, J. A. M. Pessanha, Ed., São PAulo, Abril Cultural, 1979, p. 232.
[3]
N. Bobbio, O Positivismo Jurídico, N. Morra, Ed., São Paulo: Ícone, 2006.
[4]
N. Bobbio, Direito e Poder, São Paulo: UNESP, 2008, p. 25.
[5] IHERING, Von R. A luta pelo Direito. Disponível em http://dc477.4shared.com/download/dn5xOFNP/A_Luta_pelo_Direito_-_R_von_Ih.pdf?tsid=20120316-084307-2b0cf6f7. Acessado em 12/03/2012. Página 29.]
[6] Müller, Friedrich. Concretização da Constituição. Conferência proferida em 22 de agosto de 1996 na abertura do ‘Congresso Internacional de Direito Constitucional, Tributário e Administrativo no Centro de Convenções da UFPE (Recife). Publicado in Müller Friedrich. Methodik, Theorie, Linguistik des REchts: Neue Aufsätze (1995-1997). Berlim, Duncker & Humblot, 1997, pp 20-35 (traduzido pela UFPE).
[8]. Habermas, Jürgen. Acción comuncativa y razón sin transcendência. Traducción de Pere Fabra Abat. Paidós, Barcelona: 2001. p. 98

Referências Bibliográficas


[1]
Aristóteles, “Livro V,” em Ética a Nicômaco. Coleção Os Pensadores., J. A. M. Pessanha, Ed., São Paulo, Abril Cultural, 1979, p. 131.
[2]
Aristóteles, “Livro X,” em Ética a Nicômaco. Coleção os Pensadores, J. A. M. Pessanha, Ed., São PAulo, Abril Cultural, 1979, p. 232.
[3]
Bobbio, Norberto. O Positivismo Jurídico, N. Morra, Ed., São Paulo: Ícone, 2006.
[4]
 Bobbio, Norberto.  Direito e Poder, São Paulo: UNESP, 2008, p. 25.
 [5] Brasil. LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm. Acessado em 15 de março de 2012.
[6] Habermas, Jürgen. Acción comuncativa y razón sin transcendência. Traducción de Pere Fabra Abat. Paidós, Barcelona: 2001. p. 98
 [7] IHERING, Von R. A luta pelo Direito. Disponível em http://dc477.4shared.com/download/dn5xOFNP/A_Luta_pelo_Direito_-_R_von_Ih.pdf?tsid=20120316-084307-2b0cf6f7. Acessado em 12/03/2012. Página 29.]
[8]. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Dirieto. Tradução de J. Cretella Jr e Agnes Cretella. 7ª ed. Revista dos Tribunais (RT), 2011.
[9] Müller, Friedrich. Concretização da Constituição. Conferência proferida em 22 de agosto de 1996 na abertura do ‘Congresso Internacional de Direito Constitucional, Tributário e Administrativo no Centro de Convenções da UFPE (Recife). Publicado in Müller Friedrich. Methodik, Theorie, Linguistik des REchts: Neue Aufsätze (1995-1997). Berlim, Duncker & Humblot, 1997, pp 20-35 (traduzido pela UFPE).
[10] STRECK, Lênio Luiz. O que é isto? – Decido conforme minha consciência? 2ª ed. Livraria do Advogado editora, Porto Alegre: 2010.


[i] Emily Monique Bezerra Puigseck. DZ10125-15. Estudante do sexto período de Direito na Universidade Federal do Maranhão. http://lattes.cnpq.br/7498329936304038

quinta-feira, 15 de março de 2012

A importância da Filosofia do Direito




Título: A importância da Filosofia do Direito.

Autora: Izabel Coutinho Macedo Costa, 9º período, UFMA (Universidade Federal do Maranhão) DZ- 08109-42.

Resumo: Artigo cuja apresentação propõe um breve olhar sobre a importância da Filosofia do Direito como fonte e ferramenta de inquietações acerca do fenômeno jurídico.

Palavras-chave: Direito; Filosofia; Jusnaturalismo; Positivismo.



1. Introdução



A Filosofia do Direito oferece ao jurista as diretrizes estruturais para lhe dar direcionamento em seu trabalho. Por meio dela, faz-se a crítica às instituições jurídicas e investigam-se questões como hermenêutica, discricionariedade, segurança jurídica, conexão entre o Direito e moral, a validade das leis injustas, a coação como elemento do Direito e inúmeras outras questões. Para tanto, o conhecimento filosófico perscruta a realidade interrogando o enlace do Direito com as circunstâncias da própria sociedade, questionando, levantando hipóteses, enfim, indo além do conhecimento vulgar. Nesse sentido, interessante lembrar que para Emanuel Kant, o que diferencia a Filosofia do Direito da Ciência do Direito, é que enquanto essa última tenta responder a indagação “ o que é de direito?”, a primeira é mais reflexiva e pergunta “o que é Direito?” Conceber o que seja o Direito traz como implicação a tarefa de debater os problemas concernentes às leis, institutos e ao ordenamento como um todo. Essa é a missão a que se propõe a Filosofia do Direito.



2. Direito e filosofia do Direito



Onde existe sociedade existe Direito. E o mundo está constantemente em mudanças. Essas mudanças afetam o Direito e a visão que se tem dele. Por exemplo, é fato notório para qualquer estudioso da área jurídica, que por muito tempo prevaleceu somente a chamada concepção jusnaturalista. Segundo essa visão, os juízes seriam seres que decidiam sem envolvimento sentimental, de forma neutra, pois a lei nascia de uma ordem fundada pela natureza, válida em qualquer lugar. Kelsen se insurge contra essa abordagem que terminava por misturar Direito com moral. Ele propôs em sua Teoria Pura, que o Direito deve ser pensando como uma ciência jurídica em sentido estrito que se preocupa com as condições de funcionamento da norma jurídica. Dessa forma, sepulta a maneira puramente metafísica de abordar o Direito.

Kelsen não foi muito compreendido em sua época. E o pêndulo da abordagem caiu para extremo oposto: a ideia do positivismo levado às últimas consequências. Por essa doutrina, o Direito seria somente aquilo que o Estado inspirasse como tal. As decisões, para serem corretas, bastavam serem emanadas de regras jurídicas predeterminadas. Assim, o regime totalitário nazista, por exemplo, poderia torturar, prender em campos de concentração, espoliar, matar, praticar todas as atrocidades contra quem fosse de religião, raça ou ideais diferentes do regime, uma vez que estava ancorado em um sistema jurídico peculiar que de fato organizava aquela sociedade. O fato de não contemplar cidadania para todos, não ser ético e humano, não retirava a fundamentação legal do mesmo. Óbvio que Kelsen e outros doutrinadores não legitimavam regimes como esse, mas isso serve para fornecer uma ideia do quanto a visão positivista merecia novas considerações.

O positivismo falhou ao acreditar que as ciências possibilitariam o critério completo e necessário para operar as normas. Como resultado, atualmente, muitos juízes sentem medo de agir de maneira a parecer legalista, conforme “a fria letra da lei”. Por isso, procuram dar curso à discricionariedade, podendo tal fato ser percebido em sentenças, artigos e entrevistas, quando asseveram que estão julgando “de acordo com sua consciência”. Esse problema é retratado por Lenio Luiz Streck, em seu livro O que é isto __ decido conforme minha consciência?. Nele, o autor invoca a filosofia jurídica para esclarecer que o intérprete da norma não pode decidir fundamentando-se em juízo pessoal, pois isso contraria o sentido da própria democracia e põe em xeque a necessidade de todos os estudos e pesquisas acadêmicas (por que pensar o Direito se o Direito é o que o tribunal diz que é?). Por isso, ele critica o Novo Código de Processo Penal, que em sua visão, passou longe das mudanças paradigmáticas da filosofia. Lenio cita Kelsen, que acreditava que não há como sustentar uma moral absoluta, válida em todo tempo e lugar. Porém como Kelsen não sanou a problemática do intérprete diante da realidade fática, ele apoia-se em Gadame e Dworkin para provar que o juiz não é nem deve ser “a boca a lei”.

A obra de Lenio, mesmo sem ser um compêndio de filosofia jurídica no sentido estrito do termo, demonstra como a partir da Filosofia a atividade judicial pode ser questionada e elaborada. Para subsidiar suas ideias, o autor traça um perfil dessa ciência desde Crátilo, citando Hermógenes, Platão, Aristóteles até filósofos como Heidegger. O intuito desse percurso é mostrar a importância da linguagem no sopesar do Direito, uma vez que conforme a Filosofia permite entender, ninguém se relaciona diretamente com os objetos, mas com a linguagem. A tarefa final de tanta elucubração é mostrar os erros do solipsismo ao transformar juízes em legisladores.



3. Filosofia do Direito e sua importância

A Filosofia do Direito ajudou Lenio a tecer críticas contundentes à postura do juiz que se estriba em sua consciência para emitir decisões, mas o alcance do saber que essa ciência proporciona faz-se cada dia mais amplo devido aos problemas que surgem com os avanços científicos e com o modelo de comportamento do homem pós-moderno e sua dinâmica de vida. O aborto, a eutanásia, a clonagem, a transfusão sanguínea em testemunhas de Jeová são algumas das questões que requerem muito mais que o simples exame das normas contidas nos códigos. É preciso inferir quando começa e termina a vida, até que ponto o Estado pode interferir nas liberdades individuais, as necessidades e vontades do indivíduo frente à ética da classe médica e aos direitos fundamentais do indivíduo, em que medida uma infração requer tratamento ou punição, os desafios da bioética, enfim, a complexidade da vida exige uma juridicidade consciente da realidade histórico-cultural que tenta ordenar e focada nas relações intersubjetivas, pois é nelas que nascem os conflitos e é para elas que se voltam os objetivos do Direito, como a segurança jurídica e a pacificação social.

Nesse processo, a Filosofia do Direito entra em cena para desarticular ideias bolorentas por meio da prática de reflexão e da dialética. Ela preconiza que não se deve conceber o Direito apenas como ciência de natureza econômico-utilitária, ou como simples mantenedor da ordem, expressão da vontade onipotente do Estado, em vez disso, o Direito se firma na busca da concretização da dignidade humana. Não é uma empreitada fácil pois a sociedade pós-moderna, com seu caráter niilista, materialista e tecnológico, exige que a se trace a devida correlação entre direito e justiça e, consequentemente, reveja a universalidade dessa mesma justiça diante dos desnivelamentos sociais que são produto do jogo de forças das diferentes classes que permeiam a sociedade.



4. Conclusão



A Filosofia do Direito traz à luz discussões sobre o Direito como um todo e promove controvérsias que estão longe de serem resolvidas, mas ainda assim é impossível descartar o valor que ela possui, já que permite inverter os polos de uma discussão, corrigindo preconceitos, estereótipos e teorias distorcidas historicamente cristalizadas. A Filosofia do Direito não idealiza uma ordem jurídica incólume a falhas e problemas, não propõe soluções mágicas para harmonizar a sociedade, nem existe para outorgar validade a uma determinada linha de pensamento existente na doutrina. Todavia, em meio aos inúmeros paradoxos existentes na seara jurídica, decorrentes estes das contingências da vida social, da inadequação técnica das normas ou de vários outros fatores, a Filosofia do Direito se apresenta como um estudo de grande relevo por promover a pessoa humana ao sinalizar os caminhos que podem conduzir a um dos mais aspirados ideais humanos: a justiça.



REFERÊNCIAS



BITTAR. Eduardo C. B. Curso de Filosofia do Direito, 7ª Ed. Ver. E aum. São Paulo: Atlas,

2009.

NADER, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro, Forense, 2011.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo. 13ª ed., Saraiva, 1994.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.



terça-feira, 13 de março de 2012

FILOSOFIA DO DIREITO


 FILOSOFIA DO DIREITO[1].

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. o que é a filosofia do direito? 3. PARA QUÊ FILOSFIA DO DIREITO? 4.  Conclusão.

1.                  INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo uma breve reflexão acerca do conteúdo da Filosofia do Direito, assim como da sua importância. Torna-se necessário, num primeiro momento, compreender que a jusfilosofia pode ser abordada tanto de um prisma filosófico, quanto de um prisma jurídico, sendo este último o objeto mais específico. Figuram como temas principais da filosofia jurídica a teoria da justiça, a propriedade, a liberdade, a igualdade, o conceito de direito, os métodos de produção, interpretação e de aplicação do direito e a função do Direito na sociedade.
Karl Jaspers[2] diz que as perguntas metafísicas são feitas pelos filósofos e pelas crianças. Assim, a Filosofia do Direito parte de dogmas pré-estabelecidos para indagações, transcendendo o conhecimento positivo através de uma análise crítica, que levará a um conhecimento mais completo e justo tanto da interpretação como da aplicabilidade das leis. Esta análise se dará através do ato de pensar. 

2.                  O QUE É A FILOSOFIA DO DIREITO?

Filosofia é o resultado da atitude de pensar, crítica e metodicamente o “Ser”. O objetivo da filosofia é o de suscitar perguntas, levantar o porquê das coisas, instigando as respostas diversas, sendo enriquecedoras e atuais. A Filosofia do Direito, consequentemente, tem por objeto o Direito. O filósofo do direito não se restringe à explicação da ordem jurídica, mas se emprenha na missão de compreendê-la. Não se satisfaz com o conhecimento das causas imediatas da lei, mas se esforça para desvendar a intenção originária da legislação positiva. Com isto, o filósofo do direito sente que a lei tem letra e tem espírito.
Enquanto o jurista constrói a sua ciência partindo de pressupostos fornecidos pela lei, o filósofo do direito converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo. A missão da Filosofia do Direito é criticar a experiência jurídica, no sentido de determinar as suas condições transcendentais, ou seja, aquelas condições que servem de fundamento á experiência, tornando-a possível.
 A Filosofia do Direito se ocupa dos valores e do dever ser. Estuda o conteúdo valorativo das normas, o que deve ser, embora infelizmente nem sempre aconteça. Desta forma, a visão filosófica permite visualizar a oposição permanente entre o direito ideal e o direito vigente.
Além de investigar os fundamentos conceituais do Direito, a filosofia do direito se ocupa de questões fundamentais como a relativa aos elementos constitutivos do Direito; a indagação se este se compõe de norma e é a expressão da vontade do Estado; se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta é Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é essencial à validade do Direito, etc.
O ser humano é dinâmico e, por isto, a filosofia também é, e em conseqüência, as sociedades que deste derivam também são, perpetuando-se e modificando-se conforme as necessidades que se lhes apresentem. O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, existirá o direito como expressão de vida e conveniência. “Onde está o homem, também está o Direito, e onde está o Direito se põe sempre o homem com sua inquietação filosófica, atraído pelo propósito de perquirir o fundamento das expressões permanentes de sua vida ou de sua convivência”, conforme leciona Fábio Henrique Cardoso Leite[3]. Assim, a Filosofia do Direito é um campo elaborado por juristas com interesses filosóficos, instigados pelos problemas colocados pela experiência jurídica, problemas que não encontram solução e encaminhamento no âmbito estrito do Direito Positivo.
 Diante disso, como bem menciona Melissa Waleria Boy[4] “a Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras no edifício que por sobre as mesmas se ergue”.

3.                  PARA QUÊ FILOSOFIA DO DIREITO?

     O estudo da filosofia do direito traz consigo efeitos pertinentes na realidade, na forma de pensar, cotidianamente, o Direito por seus aplicadores, doutrinadores e legisladores, evidenciando papel fundamental na sociedade ao desenvolver a razão jurídica, a compreensão do direito através da crítica e da reflexão, sempre considerando as circunstâncias históricas, sociais, políticas e ideológicas, com destaque para preocupações universais e não setoriais e delimitadas do Direito, seguindo com o intuito de mover o ser humano à capacidade libertadora do pensamento.
Todavia, esta tarefa, no contexto contemporâneo, se mostra, por vezes, árdua, levando em consideração os aspectos marcantes aos quais está emergida a coletividade, com destaque para grande influência midiática, a massificação de pensamento, a desmobilização coletiva, a exigência da especialização técnica, a necessidade premente de celeridade processual, dentre outros. O que, por certo, suscita verdadeira anestesia reflexiva, a passividade do indivíduo, diante dos fatos que rodeiam todo conjunto jurídico, que excedem aquilo que lhe pode ser visível e meramente técnico e que merecem tratamento acintoso.
Para exemplificar, dentre os aspectos mencionados, insta destacar a deliberada importância que o fator tempo possui atualmente, uma vez que se prima muito mais pela celeridade de uma sentença judicial que pela qualidade daquilo que é decidido. As exigências de cumprimento de metas judiciais, de sentenciar determinada quantidade de processos, podem trazer conseqüências irreversíveis àqueles que são submetidos ao seu cumprimento.
Assim, percebe-se de forma clara, a necessidade de observar o Direito além das normas, ou mesmo, através delas, para compreender o real sentido e aplicá-las com verdadeiro sentimento de Justiça, como bem descreve o Ministro Eros Roberto Grau: “Não se podem resolver os temas que surgem da aplicação desses princípios com base em uma visão estrita no ordenamento jurídico. É necessário levar em conta tanto o ângulo interno da norma e da sua inserção no ordenamento quanto o ângulo externo, ou seja, os fatos e os valores que exigem ponderação.”[5]
Portanto, a Filosofia do Direito apresenta-se como instrumento modificativo, fator autônomo e libertador de pensar que pode provocar certo incômodo, até mesmo, sentimento de aversão à concepção limitada e imediatista da sociedade. Nesse sentido, os filósofos do direito podem intervir decididamente na prática forense, através de seus pensamentos e reflexões de como compreender o Direito.
Noutro giro, cabe salientar, que a atividade dos jusfilósofos, nem sempre, possuem como consequência um pensamento uniforme e idêntico do Direito, podendo surgir inúmeras formas de compreensão sobre o mesmo aspecto debatido, o que não furta à Filosofia jurídica o prestígio e a necessidade que se tem. Tendo em vista, que esta ciência se ocupa do trabalho de interpretação e investigação da norma que, por sua vez, abre espaço para outras possibilidades de sentido, na construção de entendimentos que se fundem numa prática jurídica humana e social.
Resumidamente, apresentam-se algumas das finalidades da Filosofia do Direito descritas pelos professores Eduardo Bittar e Guilherme Assis de Almeida[6] em sua obra:

Proceder à crítica das práticas, das atitudes e atividades dos operadores do direito; Avaliar e questionar a atividade legiferante, bem como fornecer suporte reflexivo ao legislador; Proceder à avaliação do papel desempenhado pela ciência jurídica e o próprio comportamento do jurista ante ela; (...); insculpir a mentalidade da justiça como fundament e finalidade das práticas jurídicas; estudar e discutir criticamente a dimensão aplicativa dos direitos humanos; (...); disseminar a cultura do humanismo, como forma ético-filosófica de resistência à tecnificação e pragmatização, à materialização e à alienação próprias da vida hodierna.

Nesse contexto, a Filosofia do Direito possui característica peculiar de buscar o sentido, a inspiração da norma, compreendê-las, para serem aplicadas no contexto atual, a fim de que se construa uma doutrina efetiva de Justiça, observada nas funções do Direito na sociedade.

4.                  CONCLUSÃO.

Diante do que foi exposto, é possível compreender a importância da Filosofia do Direito para concretização do Direito em sua essência, sendo forte alicerce para construções doutrinárias e jurisprudências a serem aplicadas no dia a dia forense.
Com o aspecto peculiar de tecer críticas e instigar o pensamento, a jusfilosofia se afirma forte aliada à concretização dos direitos fundamentais do homem que foram construídos e debatidos, e que ainda se encontram em discussão, através de notáveis pensadores e críticos sociais e jurídicos.
O que faz despertar grande apreço por tal disciplina em que se possui muito mais perguntas que respostas e que faz florescer o maior leque de possibilidades de compreensão do Direito, a fim de se chegar à concretização da Justiça, ainda que através da limitada razão humana.

REFERÊNCIAS

BITTAR, Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. – São Paulo, Atlas, 2010, p. 56.
BOY, Melissa Waleria. O PAPEL DA FILOSOFIA DO DIREITO. Clubjus, Brasília-DF: 02 ago. 2011. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.35450>. Acesso em: 04 mar. 2012.
CARDOSO LEITE, Fábio Henrique. Para que Filosofia do Direito? Atitude filosófica: indagar. Disponível em: http://alibiinjus-jeanjardim.blogspot.com/2010/03/o-que-e-fifosofia-o-que-e-filsofia-do.html
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. O que é a Filosofia do Direito. Editora Manole Ltda, 2004.
GRAU, Eros Roberto. O direito posto, o direito pressuposto e a doutrina efetiva do direito.




[1] Artigo escrito por Ana Paula da Silva Ribeiro e Érika Dias Oliveira. Alunas do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão - Campus II. Disciplina de Filosofia do Direito. Orientador: Profº Clóvis Marques Dias Júnior.
[2] JASPERS apud FERRAZ JÚNIOR, 2004, p.42.
[3] CARDOSO LEITE, Fábio Henrique. Para que Filosofia do Direito? Atitude filosófica: indagar.
[4] BOY, Melissa Waleria, O PAPEL DA FILOSOFIA DO DIREITO. Clubjus, Brasília-DF: 02 ago. 2011. Disponível em: http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.35450>. Acesso em: 04 mar. 2012.
[5] O direito posto, o direito pressuposto e a doutrina efetiva do direito.

[6] Curso de Filosofia do Direito.8. ed. – São Paulo, Atlas, 2010, p. 56.

A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA DO DIREITO



Moisés da Silva Gomes[1]







1. INTRODUÇÃO


Ao se tencionar examinar o conhecimento jurídico pela via filosófica é indispensável, em primeiro lugar, que esta estrada seja afeita ao pesquisador, ajustando-se aos limites de sua experiência. Sem o prévio conhecimento da Filosofia geral, por seus métodos e funções, é impossível atingir a plena compreensão da Filosofia do Direito, pois, ao passo que aquela é gênero, esta é espécie. A cultura filosófica somente progride no espírito acostumado à reflexão e aberto aos grandes temas que abrangem a natureza e o homem. Se é verdade que a condição de jusfilósofo não é obtida por grau universitário, senão pela constância do pensamento dialético, também é certo que apenas alcança essa condição o jurisconsulto que cultiva, como hábito, a atitude filosófica.
O cabedal de conhecimentos que a Filosofia do Direito propicia procede de três categorias de pensadores: filósofos, juristas e jusfilósofos. Como a Filosofia é uma perspectiva universal da realidade e o Direito se alista no quadro de uma ontologia regional, um sistema filosófico, para ser abarcante, deve-se considerar temas jurídicos basilares, como os problemas da justiça e da lei.
Dessa forma, renomados filósofos, como Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Hegel, contribuíram valiosamente à Filosofia do Direito. Por outro lado, os jurisconsultos nem sempre se prendem à perspectiva da Ciência do Direito, transpondo o mero trabalho de interpretação e sistematização do Direito que está em vigor. Ora põem em discussão os postulados da Jurisprudência, ora sujeitam os institutos jurídicos a uma análise em seus fundamentos, situando a sua preocupação na esfera da Filosofia do Direito. O grande fundamento, porém, que fortalece e enriquece essa disciplina, encontra-se na atividade dos jusfilósofos, daqueles que, autenticamente filósofos, conhecem a ciência jurídica.
Enquanto filósofos e juristas desenvolvem a reflexão jurídica em campo limitado, os jusfilósofos, agregando o conhecimento das correntes filosóficas ao conhecimento das categorias lógicas do Direito, operam nos domínios da jusfilosofia sem restrições culturais, tendo como objetivo o rigor lógico dos conceitos jurídicos e o ajuste do Direito Positivo aos valores humanos fundamentais.





2. CONCEPÇÃO HODIERNA DE FILOSOFIA


Hodiernamente a Filosofia se caracteriza como método de reflexão pelo qual o indivíduo se empenha em interpretar a universalidade das coisas. Não reclama a compreensão geral de todas as coisas: algo inacessível, na atualidade, devido ao “estouro” de conhecimentos que acontece no campo científico.
Quando se afirma que a Filosofia constitui o conhecimento das coisas por sua perspectiva universal, se almeja expressar, na verdade, que, ao fazer a reflexão sobre cada objeto ou fato, o filósofo deve munir-se antecipadamente de todos os conhecimentos relativos ao assunto a ser discutido.
Caracteriza-se a Filosofia como indagação ou procura incessante do conhecimento, por intervenção da investigação dos primeiros princípios ou últimas causas. O espírito filósofo não se contenta com a leitura dinâmica dos fatos ou com meras observações. Esse espírito contesta sempre e, a cada resposta conseguida, passa a novas indagações, até chegar à essência das coisas.
Em verdade, a Filosofia corresponde a uma atividade natural, instintiva, pela qual o indivíduo busca compreender a realidade como um todo e assimilar o profundo significado dos objetos. O seu único incentivo é o amor à sabedoria. Como disse Reale (1999, p. 5), a filosofia espelha esse “amor pela verdade que se quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo-se em mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe”. Assim, a reflexão se faz de forma desprendida, numa disseminação natural do espírito e, consequentemente, é pensamento independente e autêntico.
Contudo, a Filosofia não é mero exercício mental ou fantasia. Como exemplo de exegese, ela se projeta na realidade concreta, exercendo influência sobre as ciências, o comportamento dos indivíduos, os caminhos da Humanidade. Ela influencia as ciências, analisando e criticando seus postulados básicos e delimitando seu campo de pesquisa. Cada ciência encontra-se comprometida com uma determinada gama de conhecimentos e o seu conjunto não proporciona uma noção universal, mas visões incompletas, divididas em setores. Cabe à Filosofia, então, fomentar o nexo entre todas as perspectivas e ser a “tradutora” da realidade. A sua função não é somente a de decifrar o mundo objetivo, já que também desenvolve a crítica do comportamento humano e do saber acumulado.
Ao levar em consideração a universalidade dos objetos e revelar o sentido da vida, a Filosofia mostra ao indivíduo os seus valores fundamentais e norteia os caminhos da Humanidade. 






3. NOÇÃO E OBJETO DA FILOSOFIA DO DIREITO


Ao estabelecer modelos de comportamento social, à luz dos valores de conservação e desenvolvimento do homem, o Direito possibilita a convivência e participa, por sua importância e como área definida do saber, na ordem geral das coisas. Como objeto do conhecimento, não pode ser considerado fragmento da realidade e desenvolvido isoladamente.
Assim, a compreensão do Direito necessita ser alcançada na perspectiva universal dos fatos e fenômenos. Como é sabido, o seu conhecimento científico atende às exigências operacionais de criação, interpretação e aplicação, entretanto não se mostra suficiente para resguardar a plena correlação entre os conteúdos normativos e a idéia do “ius”. Assevera Miguel Reale (1999) que:


O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o direito fenômeno universal que é ele suscetível de indagação filosófica. A filosofia não pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta é a razão pela qual se faz filosofia da vida, filosofia do direito, filosofia da história ou filosofia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se evidenciando os títulos existenciais de uma filosofia jurídica.


Existe, pois, uma função significativa a ser desempenhada pela Filosofia na esfera jurídica. Como fruto da experiência, o Direito pode seguir diferentes ideologias e assumir variados modelos. As formações jurídicas não são indiferentes às correntes de pensamento: presumem sempre uma escolha ideológica, uma exegese objetiva da realidade. Tal é a importância da Filosofia do Direito para esse campo do pensamento, que não se consegue chegar ao Direito genuíno sem a reflexão filosófica. É que o fenômeno jurídico, por influenciar a vida humana, deve ser estudado paralelamente à análise do homem.
De acordo com Rêgo:

A Filosofia do Direito parte de premissas ou dogmas pré-estabelecidos para indagações, transcendendo o conhecimento positivo através de uma análise crítico-reflexiva, que proporciona ao homem um conhecimento holístico e integrativo de sua própria realidade, quer sob o ponto de vista da elaboração e vigência legislativa, quer sob o aspecto hermenêutico, quando da interpretação e aplicação das normas legais. Esta análise jusfilosófica, englobante e existencialista do ser pensante, observa e valoriza o processo de formação do jurista ou ator do direito, estimulando-o e conscientizando-o a uma atitude crítico-filosófica, a desenvolver atividades e habilidades que exijam reflexão, poder de valoração, avaliação e julgamento de sua própria realidade.

A polêmica é própria e imanente à Filosofia e em nada se poderá estranhar com a pluralidade de opiniões sobre um mesmo objeto. Esta característica do pensamento filosófico não proíbe, no entanto, ao longo do tempo, que novos princípios e teorias sejam consagrados mundialmente. Em um processo longo de assentamento, formam-se também correntes diversas, interpretadoras da realidade jurídica. Pela sua racionalidade e força lógica de expressão, notáveis jusfilósofos apressam a marcha de evolução do pensamento, estabelecendo novos caminhos dialéticos.
Como objeto cultural provido de complexidade, o Direito comporta diferentes planos de estudo. Do ponto de vista legal, é abordado pela Ciência do Direito, disciplina fundamental que interpreta e sistematiza o ordenamento vigente, sem preocupar-se com o problema axiológico. Sob o aspecto fatual, é examinado pela Sociologia do Direito, que considera as relações entre o fenômeno jurídico e a sociedade, com atenção básica para o ajuste do Direito à realidade social. Não analisa as categorias lógicas, nem cogita do dever-ser e de valores. Do ponto de vista evolutivo, o fenômeno jurídico é objeto da História do Direito, que pesquisa a etiologia e o desenvolvimento das instituições, com o estudo concomitante dos fatos históricos. Caso a atitude filosófica se projete nos domínios da Jurisprudência, tomando o fenômeno jurídico por objeto de indagação, a análise se processa em um plano muito fecundo, onde se discutem problemas de grande importância para a organização social. O estudo ontológico do Direito, a pesquisa de seus elementos universais e necessários, o exame axiológico de suas formas de expressão constitui a matéria de reflexão da Filosofia Jurídica.
Como estudo reflexivo, que almeja a compreensão do Direito dentro de uma visão harmoniosa da realidade, a Filosofia Jurídica dispõe de um amplo conjunto de temas de análise que se divide em dois grandes planos de reflexão: um de natureza epistemológica, em que se pesquisa o conceito do Direito e assuntos afins, e outro de caráter axiológico, no qual se sujeitam as instituições jurídicas a um exame crítico valorativo. Sendo assim, o primeiro encargo atribuído à Filosofia Jurídica é a de elucidar, em seus aspectos universais e necessários, a noção do Direito.
Percebe-se, assim, a profunda relação existente entre a Filosofia geral e a Filosofia do Direito, pois as grandes correntes filosóficas possuem vigor e se disseminam por numerosos ramos do saber.
Conforme o paralelo kantiano, enquanto a Filosofia do Direito responde a pergunta “O que é o Direito?”, à Ciência Jurídica cabe esclarecer a pergunta “O que é de Direito?”. De fato, o encargo de definir o Direito não se acha destinado somente às disciplinas jurídicas particulares, já que estas analisam só uma fração da realidade jurídica e estabelecem as orientações de legalidade. A Ciência Penal, por exemplo, lista as suas fontes de conhecimento, porém não está apta a informar sobre as fontes do Direito em geral. Como a Filosofia do Direito contempla a “árvore jurídica” em sua totalidade e na sua relação com as coisas em geral, a ela está destinada a função de dizer o que é o Direito e procurar as respostas para os problemas ligados a essa indagação.
Consoante ao que diz Rêgo:


A Filosofia do Direito se ocupa em examinar os sistemas lógicos que foram elaborados no curso do pensamento especulativo por filósofos e juristas, enquanto o Direito visa o estudo sistemático normativo verificável no processo de convivência humana. As interrogações centrais da filosofia jurídica giram em torno da conceituação do Direito; interessa-se sobremodo pela reflexão a respeito da normatividade, conceito de certa complexidade, pois envolve outras determinações indispensáveis à capacitação de seu sentido. Norma implica certa hierarquia de valores que permitem apreensão dos fatos sociais, em uma análise que envolve inevitavelmente para o terreno especulativo, extrapolando da pura análise científica para o campo da reflexão filosófica, pois a plenitude de uma visão do processo jurídico só é alcançada pela filosofia do direito.


Paralelamente ao problema conceitual, nessa ordem de pesquisas afloram questões fundamentais, como a referente aos elementos constitutivos do Direito; a pergunta se este compõe-se de norma e é a expressão da vontade do Estado; se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta é Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é fundamental à validade do Direito etc.
Outra tarefa da Filosofia do Direito é de alcance mais prático e consiste na análise valorativa das leis, institutos ou do sistema jurídico. A investigação pode achar-se no plano da “lei como ela existe”, com a crítica ao Direito vigente, ou no plano de “o que a lei deveria ser”, em um ensaio do Direito ideal a ser criado. Durante esta investigação o pensamento jusfilósofico é norteado por princípios éticos e, essencialmente, pelo valor justiça, por intermédio dos quais avalia o ordenamento, para justificá-lo ou negar-lhe validade. Esta segunda parte está vinculada aos imperativos da vida social e objetiva o enriquecimento da Ciência do Direito, pois aprecia os critérios da lei em função dos valores humanos e sociais. Quando se avalia a eutanásia, por exemplo, sob o prisma do Código Penal, o estudo é de Ciência Jurídica, mas quando a atividade intelectual excede esse plano, a fim de julgar o critério legal com base nos postulados éticos, a tarefa desenvolve-se no âmbito e com os métodos da Filosofia do Direito.




REFERÊNCIAS


ALVES, Alaôr Caffe et al. O que é Filosofia do Direito? São Paulo: Manole, 2004.

BITTAR, Eduardo, C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo. Atlas. 2010.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1999.


RÊGO, Nelson Moraes. A importância da filosofia do direito na formação do jurista na pós-modernidade, uma visão epistemológica. Disponível em: www.nelsonrego.com.br/pdf/artigos/ARTIGO1.pdf. Acesso em: 08 de março de 2012.


[1] Graduando em Direito pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA.