segunda-feira, 5 de março de 2012

FILOSOFIA DO DIREITO: O QUE, POR QUE E PARA QUÊ?


Adriana Dantas Nóbrega
Dualyson de Abreu Borba*



Graduandos do 9º Período do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – CAMPUS II  - IMPERATRIZ


1. INTRODUÇÃO

No mundo contemporâneo, a velocidade e o volume de informações obriga o homem se preocupar excessivamente com a “falta de tempo” e a viver de forma quase frenética. A evolução dos meios de comunicação foi, sem dúvida, uma grande aliada da evolução intelectual da humanidade, mas também trouxe consigo um grande problema, pois a praticidade que surgiu com tal desenvolvimento tecnológico gerou, em contrapartida, a necessidade, ou até mesmo obrigação, de se fazer muito em espaços de tempo cada vez menores.
Essas implicações não influenciam apenas a vida cotidiana do homem, como pode aparente e erroneamente se pensar, mas também o próprio conhecimento humano. A ciência, por exemplo, é um fruto da mentalidade humana e, por mais que se tente isolá-la e torná-la um ramo do conhecimento purificado através da intermediação de seus métodos e sistematizações, ela sempre sofrerá influência das aspirações, ideais, certezas e incertezas daquele que a cria, recria e modifica: o homem cientista.
Diante disso, tomando-se o Direito como uma ciência, impossível seria desarraigá-lo de tal panorama, tomando-o como exceção. Nos últimos tempos, as medidas que tentam expandir o acesso à justiça, a própria evolução cultural que tem permitido aos cidadãos acesso à informação e, consequentemente, ao conhecimento de seus próprios direitos, bem como a utilização de recursos tecnológicos para facilitar e acelerar os processos judiciais, tem forçado os juristas a tomarem uma postura cada vez mais superficial perante a ciência jurídica.
A própria criação vultosa de novos cursos de Direito ao longo do território nacional mostram a grandiosidade do problema. A ciência jurídica vem se tornando praticamente um ramo comercial, onde as instituições de ensino preocupam-se em inserir no mercado número suficiente de operadores do direito para atender à “demanda”.
Vê-se, portanto, extremamente necessário o resgate dos valores dos Direito como uma ciência social, não como um pífio instrumento técnico de resolução de conflitos de interesse. Para tanto, a Filosofia do Direito surge como alternativa para promover tal resgate, tendo como foco a desvinculação dessa visão tecnicista do Direito, bem como promover uma visão ampla do mesmo para os que se propõem a estudá-lo, adentrando-se em aspectos ontológicos.
Assim sendo, é essencial entender a Filosofia do Direito sob vários aspectos: histórico, conceitual, evolutivo, divisório, objetivo, factual e científico, para que se possa abstrair dessa disciplina o conhecimento necessário para se entender o Direito de um ponto de vista global, dando não só uma aplicação efetivamente prática e técnica para esta ciência, mas também realizando análises profundas para se chegar ao âmago das questões suscitadas.



2. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE FILOSOFIA DO DIREITO

A primeira indagação sobre a qual se debruça qualquer estudioso de uma determinada disciplina é o conceito da mesma. Entretanto, a própria delimitação de um conceito é tarefa genuinamente filosófica, pois depende do enfoque dado e da posição assumida por aquele que observa o objeto tentando delineá-lo e dar a ele características e particularidades que possam ser aceitas universalmente. Mas, tratando-se de um ofício filosófico, não há como haver um consenso, como afirma REALE [2007:8]:

“A Filosofia não existiria se todos os filósofos culminassem em conclusões uniformes, idênticas. A Filosofia é, ao contrário, uma atividade perene no espírito ditada pelo desejo de renovar-se sempre a universalidade de certos problemas [...]”.

Dessa forma, não há uma, mas várias acepções sobre o termo “Filosofia do Direito”, tantas quantas forem as tentativas de conceituá-las. Interessante é, portanto, analisar algumas delas e tentar compreendê-las de acordo com a corrente filosófica assumida pelo estudioso e das ideias por ele defendidas.
Na visão de BITTAR & ALMEIDA [2007:65], por exemplo:

“Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras no edifício que por sobre as mesmas se ergue.”.

Outro ponto importante a ser analisado quanto à Filosofia do Direito é saber onde enquadrá-la: seria ela ramo da Filosofia ou ramo do Direito? Miguel Reale afirma categoricamente [2007:9]:

“Ora, a Filosofia do Direito, esclareça-se desde logo, não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem de realidade, que é a ‘realidade jurídica’. Nem mesmo se pode afirmar que seja Filosofia especial, porque é a Filosofia, na sua totalidade, na medida em que se preocupa com algo que possui valor universal, a experiência histórica e social do direito.”

Mas não há nada mais importante na Filosofia do Direito senão sua utilidade prática. Apesar de a mesma ser muitas vezes ser vista com desânimo pelos estudantes e taxada como disciplina meramente teórica, reduzida à categoria de disciplina propedêutica completiva de carga-horária curricular, é inegável a sua importância na aplicação do direito.
Para chegar a tal conclusão, suscita-se aqui, primeiramente, aquele que talvez seja um dos maiores problemas a serem enfrentados pelos estudiosos do Direito na atualidade: a tendência de reduzir a ciência jurídica a uma técnica de subsunção lógica e objetiva entre as normas e os fatos, sem haver qualquer tipo de discussão ou rejeição do que é imposto pelo legislador ou sugerido pela jurisprudência dominante.
A produção intelectual no campo da ciência jurídica, bem como em outras áreas, vem sendo prejudicada pelas próprias mudanças que vem assolando o mundo contemporâneo. Sobre o tema, discursa BITTA & ALMEIDA [2007:24]:

“Não há autonomia sem capacidade de reflexão. Nossos tempos, pós-modernos, são tempos de profunda apatia intelectual, de anestesia da consciência coletiva, de desmobilização ideológico-política, de falência das estruturas intitucionais, de derrocada de paradigmas do direito e da justiça. Em tudo, predomina a força do mercado. Tudo é pensado a partir do mercado. Daí a expandida sensação de insatisfação pela realidade, daí o mais do que presente espírito de desalento de nossos tempos. Apesar da necessidade mais do que urgente de pensar, sob estas condições, é-se, ao mesmo tempo, impedido de pensar

E na seara jurídica a questão é ainda mais complicada, partindo-se do pressuposto de que este seria entendido como “um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os critérios de justiça”[PAULO NADER, 2007:76].
O direito pode ser positivado, mas a justiça, não. A ideia de justiça nasce justamente da análise subjetiva de um caso concreto e requer um maior aprimoramento cognitivo, que só pode ser alcançado por aquele que tem uma visão ampla não só das normas vigentes no ordenamento jurídico, mas também do panorama social no qual elas estão inseridas e dos valores éticos e morais aos quais elas estão agregadas. Nesse sentido, entende Fábio Konder Comparato [2004]:

“[...] É evidente que não se pode trafegar no campo do Direito sem uma boa competência técnica, mas a técnica é mero instrumento; ela é neutra quanto aos valores, ela pode servir à vida, como pode servir à morte. É impossível tentar reduzir o Direito a uma mera técnica, pois dessa forma ele fica completamente desbussolado [...]”.

Por conseguinte, é notório que a mera aplicação objetiva das normas não é garantia alguma de que a justiça seja alcançada, como afirmam BITTAR & ALMEIDA [2007:466]:

“De qualquer forma, o que se percebe é que Direito e justiça são conceitos diferentes, que às vezes andam em sintonia, às vezes em dissintonia. Há que se ressaltar, no entanto, que se nem sempre o Direito caminha pari passu com a justiça, ainda assim ele busca, ele nela deposita sua finalidade de existir e opera na vida social. O Direito deve ser o veículo para a realização da justiça. Em outras palavras, a justiça deve ser a meta do Direito”.

A positivação do Direito é, certamente, um importante instrumento para a segurança jurídica. Entretanto, a lei positivada não pode ser encarada como um fim em si mesmo, mas como um meio de se alcançar os ideias de justiça. A Filosofia do Direito vai justamente ao encontro dessas ideias, ao passo que ajuda o estudante de Direito a enxergar a norma como um elemento norteador da ciência jurídica, mas não como único. É o que pensa Goffredo da Silva Telles Júnior [2004]:

“Pois bem, o Filósofo do Direito é o cientista que não se adstringe à explicação da ordem jurídica, e se empenha na missão de compreendê-la. Não o satisfaz o conhecimento das causas imediatas da lei – os objetivos próximos da lei e as formalidades de sua elaboração -, e se esforça por desvendar o que eu chamaria ‘alma’ (o ânimo, a intenção originária) da legislação positiva; ou seja, por penetrar a intimidade desse extraordinário fenômeno exclusivamente humano, que designamos como o nome de Direito”.



3. FILOSOFIA DO DIREITO: PENSANDO O DIREITO

BITTAR & ALMEIDA (2007:1), refletindo acerca da Filosofia, lecionam que “[...] O amor à sabedoria implica em uma atitude perante o mundo de busca incessante pelo conhecimento”. Destacam, ainda, que “[...] não há pensamento se não houver curiosidade intelectual”.
Da análise de tais ideias, verifica-se que pensar o Direito não é simplesmente estudar a parte dele que se encontra positivada ou reconhecida institucionalmente. É preciso ter essa atitude de busca, de curiosidade, de procurar ver além do viés da realidade posta. Foi essa curiosidade, esse não contentar-se que com as explicações dadas que moveu os primeiros filósofos e culminou com o surgimento da Filosofia.
Kant, em uma de suas frases célebres, afirma que “não se ensina filosofia; ensina-se a filosofar”. Com base em tal ideia e vinculando-a ao campo da Filosofia do Direito, constata-se que, mais importante do que estudar o Direito, é “pensar o Direito” e, nesse sentido, a curiosidade, o desejo por compreender, são atitudes indissociáveis do ato de pensar.
Como já demonstrado em tópicos anteriores, a Filosofia do Direito no curso jurídico é de extrema importância, tendo em vista que ao despertar no estudioso essa visão crítica do fenômeno jurídico em meio ao contexto social em que esse se manifesta, possibilita uma visão de conjunto dos diversos ramos do direito e, não apenas isso, permite visualizar as relações antagônicas entre o direito posto e o direito pressuposto, o direito ideal e o direito vigente.
Entre as várias definições do Direito, alguns entendem que este é um dos instrumentos de regulação social. Levando-se em consideração tal definição, como conceber o estudo do Direito voltado apenas para o seu aspecto instrumental ou técnico, já que a sociedade é mutável e permeada de relações complexas?
Fábio Conder Comparato [2004], destacando a natureza histórica do fenômeno jurídico, ressalta que

“Todas as vezes que nós nos debruçamos sobre um problema mais complicado, sentimos que há uma certa consideração relativa de valor naquela instituição que está sendo apresentada, e percebemos também que há uma evolução, que pode se dar no bom ou mal sentido, mas de qualquer maneira, há sempre uma resposta a problemas surgidos num determinado momento histórico”.

Com base nessa ideia, pensar o Direito significa analisar e refletir acerca das conjunturas sociais estabelecidas no decorrer da história e de seus reflexos na atualidade, uma vez que este é constituído em meio a relações sociais, principalmente no que concerne às relações de poder.
Note-se, no entanto, que a grande maioria dos cursos jurídicos, pouca importância dão ao estudo das condições históricas e ao aspecto teleológico do Direito positivado ou institucionalizado, privilegiando, como já demonstrado anteriormente, uma “visão excessivamente técnica, ou exclusivamente técnica do Direito”.
Ante tal constatação, Fabio Konder Comparato [2004] assevera que “o verdadeiro curso de Direito não é uma simples preparação para o exercício profissional. É uma preparação para a vida”.
Preparar para a vida, juridicamente pensando, significa não apenas explicar a ordem jurídica, mas, sobretudo, compreendê-la, como preleciona Goffredo da Silva Telles Júnior [2004].
Nesse sentido, mais uma vez, verifica-se a função vital da Filosofia do Direito: Compreender a ordem jurídica. Como já demonstrado, o filósofo do Direito não fica adstrito a explicação da ordem jurídica, vai além, se empenha por desvendar a intenção originária da lei, o contexto em que esta foi produzida, os princípios que inspiraram sua confecção, enfim, procura ter uma visão abrangente e aprofundada do sistema jurídico vigente, com vista a aplicar a lei de uma forma mais eficiente e compatível com a finalidade para a qual foi criada. A corroborar tal entendimento, Goffredo da Silva Telles Júnior leciona que “[...] A verdade é que a lei, para o jurista, não se esgota em sua letra. A lei se acha, também, no seu pensamento e na sua intenção”.



4. CONCLUSÃO

Considerando os aportes teóricos aqui apresentados, verifica-se que a Filosofia do Direito emerge como disciplina imprescindível a possibilidade de se pensar o Direito e não apenas aplicá-lo na frieza da técnica.
Na interpretação das leis, é preferível um entendimento razoável dos preceitos que nortearam sua construção ao rigor da lógica racional, tendo em vista que mais importante do que uma conclusão lógica é uma solução justa e humana.
Por esse fato, talvez o principal desafio da Filosofia do Direito, e, por conseguinte, a sua principal contribuição seja, como preconiza Eros Grau, promover “a compreensão de que o fenômeno jurídico é muito mais amplo do que o direito posto pelo Estado, praticado nos tribunais e ensinado nas faculdades de Direito” [2004].
Como restou demonstrado, não basta explicar o Direito, é preciso compreendê-lo, o que só é possível a partir do momento que nos dispomos a pensá-lo.



BIBLIOGRAFIA

ALVES, Alaôr Caffé et al. O que é filosofia do direito? 1. ed. São Paulo: Manole, 2004
BITTAR, Eduardo C.B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007
________________. Curso de Filosofia do Direito. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito, 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2007

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